Essa é mais uma das milhares de histórias hilárias e curiosas que acontecem comigo no meu querido ambiente de trabalho.
Eu era recém -formada e, como alguns de vocês sabem, a maior ocupação de um recém-formado é passar o dia no plantão rezando para que apareçam apenas os casos comuns, que sabemos tratar.
Vale a pena aqui apelar para todos os santos. Portanto, imaginem num sábado, onde os maiores pepinos aparecem? É papo de mandar rezar missa e o escambau...hehehe
Então, o fato aconteceu num lindo sábado. Daqueles em que, não há mais espaço na sala de espera da clínica e as pessoas com seus cães e gatos se amontoam no Petshop, calçada, enfim... cena de SUS.
No meio de todo esse alvoroço, apenas uma menininha recém-formada para dar conta de tanta coisa, toca o telefone.
Sou péssima para gravar nomes de pessoas , mas, muito boa com nomes de bichos, principalmente aqueles que me dão trabalho, e no telefone era Paula, uma moça que têm em torno de 5 pinchers, aqueles cãezinhos saltitantes, irritantes e agressivos...hehehe
O diálogo se deu da seguinte forma:
- Clínica Veterinária, Bom dia!
- Dra??
_ Sim....
_ Oi Dra, aqui é a Paula, dona do Chuvisco.
_ ( Pai nosso que estás no céu....) Oi Paula, o que ouve??
_ Dra, a senhora sabe bem como o chuvisco é, né???
_ Aham...( santificado seja o vosso nome....)
_ Então, hoje ele atacou minha tartaruga e machucou ela... Não sei o que fazer. Você atende tartaruga??
_ ( Creio em Deus PAIIIII...) Claro! Corre com ela pra cá. Quer dizer, corre você e traga ela no colo...hehehe.
Muito bem.
Carioca, metida a malandrinha e recém-formada.
Eu nunca havia atendido uma tartaruga na vida.
Aliás, durante a faculdade, me lembro vagamente de ter tido uma aula sobre répteis, mas, como isso nunca foi minha praia, claro que passou batido.
Nas outras aulas, eu deveria estar bebendo no bar do Paulinho, ou numa das inúmera cachoeiras que faziam parte dos atrativos da cidade universitária em que morava. Vida de estudante Universitária em horário intregal é realmente muito difícil...rs
Mas, nenhum outro veterinário da cidade poderia ajudá-la e eu sabia disso. Sem contar que, melhor alguém que saiba , do que o vizinho com emplasto sabiá, né??? Pra tudo na vida tem uma primeira vez.
Quando eu era pequena, minha casa parecia um Zoológico. Tive Jabuti, Tartaruga, Periquito, Peixe, Cão, Gato, Galinha... enfim... então, ao menos os hábitos dos bichinhos eu já conhecia.
Só que minha Tartaruga era enorme, devia pesar uns 15 kg, e quando se fala em Tartaruga é ela que vêm a minha cabeça.Logo, imaginei o chuvisco , do alto de seus 2 kilos mordendo uma Tartaruga Gigante... quase pedi para a Paula trazer o chuvisco também. Por um momento fiquei preocupada com a árcada dentária do bicho. Hehehe...doce ilusão, Brother. Eu não sabia o que viria pela frente.
Avisei aos clientes que estavam na sala de espera que uma emergência chegaria e , continuei meus atendimentos.
Pouco tempo depois, entra no consultório a Paula com uma caixa de fósforo daquelas grandes na mão. Aquela do palito mais comprido.
Olhei pra ela e perguntei pela tartaruga.
Imaginação de Pisciana é foda, cheguei a olhar pela janela procurando um carrinho de mão que estivesse com a Tartaruga dentro.
Foi quando ela abriu a caixa de fósforo e disse:
- Aqui, Dra. A tartaruguinha. Ela nasceu lá em casa, lembra? Há uns meses atrás liguei pra cá para perguntar sobre os ovos e tal...
Maldita memória. Na hora caiu minha ficha. E começou a bater o desespero. A bichinha cabia exatamente na palma da minha mão. Devia ter uns 5 cm. Arregalei os olhos. Tremores, perna bamba. Que mania idiota de tentar sempre fazer mais do que consigo.
Porque, Meu Deus!!! Por que eu não aprendo que não sou Mulher Maravilha, menos ainda São Francisco de Assis???
Nessa hora, juro que pensei em desistir. Mas, recém -formado é fogo. Lembra do Juramento, pensa no bichinho... olhei pra Paula e tentei falar algo, mas , não tinha voz.
Peguei a tartaruguinha, coloquei na palma da mão. Nessa hora, me senti parte do TAMAR.
F....deu!!!! O que me move profissionalmente é a possibilidade de ajudar. Ali, me dei conta que não teria outro jeito. Era eu e Deus... e todos os acessores dele, é claro!!!
Passei uns bons 10 minutos com a bichinha na mão rezando. Juro. Rezei mesmo...muito... não fazia idéia do que fazer. Cada vez que eu virava a mão para olha-la de outro angulo ficava ainda mais apavorada. O Chuvisco e seu instinto assassino haviam destruido parte do casco da coitada, e , pasmem, ela sangrava. Eu estava em transe.
Fui acordada pela Paula .
- Dra? E aí? Fala alguma coisa!!!
Quando me dei conta e olhei ao redor, todos me olhavam, inclusive os funcionários da clínica que deveriam estar se perguntando o que eu aprontaria dessa vez.
- Um minutinho. Tô examinando. ( Aprendi que a pose a gente não perde nunca. Hehehe)
Coisa nenhuma, né?? Tava rezando mesmo.
Como sempre digo, Médico Veterinário tem vários anjos da guarda. E ali, defini o tratamento da pequena tartaruguinha. Eu sabia que Deus estava no comando...rs
Ao explicar a receita, Paula me interrompeu:
- Dra, como vou dar 3 gotas desse antibiótico pra ela , por via oral? O conta gotas é enorme perto da boquinha dela.
Ops!! Não tinha pensado nisso...
Nesse dia me dei conta que além de Medicina Veterinária , deveriamos fazer faculdade de Design, afinal, sempre tenho a impressão de que , quem desenha as embalagens não tem bicho em casa.
Não sei como, mas, na hora, imaginei que, colocando um palito de fósforo na boca e pingando o medicamento por ele, conseguiríamos fazer com que a coitadinha ingerisse a medicação.
Foi isso que fiz.
Resolvido a questão, liberei a Paula e pedi, encarecidamente para que ela prendesse o Chuvisco.
Eu sabia que naquele mês, minha cota com a galera lá de cima havia sido encerrada...rs