sábado, 20 de junho de 2009

AMAR- Drummond





Amar



Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar?
Amar o que o mar traz à praia,e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,o que é entrega ou adoração expectante,e amar o inóspito, o áspero,um vaso sem flor, um chão de ferro,e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,doação ilimitada a uma completa ingratidão,e na concha vazia do amor a procura medrosa,paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.



Carlos Drummond de Andrade

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